Terra de forte imaginário, Cárquere está
envolta em muitas lendas e crenças que marcam uma ténue
linha entre aquilo que é realidade e aquilo que é
fruto da fantasia.
Milagre de Cárquere: Cura das pernas de D.
Afonso Henriques
Esta é sem dúvida a tradição mais
conhecida de Cárquere, talvez por estar relacionada
com uma personagem tão importante quanto o primeiro
rei de Portugal.
D. Afonso Henriques, futuro rei, teria nascido com as pernas
pegadas dos joelhos para baixo, conforme relata Duarte Galvão
na crónica de D. Afonso Henriques, publicada em 1726.
Egas Moniz, vendo tal fatalidade, levou o menino para a sua
companhia e pediu a Deus que lhe desse o total uso das suas
pernas. Uma noite, estando Egas Moniz a dormir, apareceu Nossa
Senhora, que lhe disse para ir a um lugar onde acharia uma
igreja, que tinha começado a construir em seu nome.
A Senhora disse-lhe, ainda, para colocar o menino em cima
do altar e fazer uma vigília. Feito isto teria a sua
graça concedida.
Egas Moniz seguiu à risca as ordens da Senhora e D.
Afonso Henriques curou-se do seu mal.
Em memória deste milagre foi construído, nesta
igreja, o mosteiro de Cárquere.
Aparecimento da imagem da Senhora de Cárquere,
do Sino e das Relíquias.
Conta a lenda que, muitos anos após a expulsão
dos árabes, uns rapazes quando atiravam pedras ás
castanhas de um castanheiro, que uma das pedras rolou para
dentro de uma abertura existente no tronco. Assim que a pedra
entrou no tronco, o castanheiro fez um barulho idêntico
ao de um sino. Isto alertou os rapazes, que , logo de seguida
foram contar tudo aos pais.
Querendo verificar o que se passava, os pais fizeram a mesma
experiência com o castanheiro, que voltou a soar como
um sino. Levados pela curiosidade começaram a escavar
pela base da árvore até que encontraram um sino,
debaixo do qual se encontrava uma imagem de Nossa Senhora
com o menino Jesus no braço esquerdo e uma caixa com
relíquias de vários santos. Junto à imagem
e ás relíquias estava um pergaminho que referia
que tudo tinha sido escondido ali durante a invasão
dos árabes.
A santa imagem começou logo a conceder milagres, causa
pela qual Egas Moniz ofereceu o príncipe D. Afonso
Henriques a Nossa Senhora de Cárquere, para que se
corasse da maleita com que nasceu.
Diz o povo que tentaram levar o sino para a Sé de Lamego,
mas que não conseguiram porque atravessando a povoação
do Arco o sino parava de tocar.
O Sardão de Cárquere
Uma primeira versão desta lenda refere que uma velhinha,
vindo de Rossas, povoação do cimo da Serra de
Montemuro, para Cárquere, com um cesto de novelos de
lã, foi atacada por um Sardão muito grande,
que a queria comer.
Muito aflita, apelou á Senhora de Cárquere,
que lhe deu uma ideia, a qual colocou logo em prática.
Atirou um novelo à boca do bicho mas ficou com a ponta
do fio na mão. Á medida que ia andando, ia atirando
mais novelos, os quais segurava pelas pontas. Ele ia atrás
dela, apanhando os novelos sem a comer.
Desta forma, a velhinha conseguiu chegar ao mosteiro sem ser
comida e assim se proclamou o milagre.
O sardão foi esfolado e pendurado na igreja como forma
de atestar esse acontecimento.
A segunda versão desta lenda faz referencia a uma senhora
que vinha de Rossas, para o mosteiro de Cárquere, com
uma cesta de novelos de lã à cabeça.
Ela teria sido então atacada por um enorme lagarto
que a queria devorar, juntamente com o filho.
A mulher recorreu então a Nossa Senhora de Cárquere
para que ela lhe valesse. A senhora deu-lhe a ideia de atirar
os novelos ao animal, segurando, no entanto , as pontas dos
fios na mão.
Quando o lagarto engoliu os novelos, a mulher puxou pelos
fios e o bicho morreu sufocado.
O milagre Pó da Senhora-a-Branca
Havia a crença de que o pó proveniente da raspagem
da imagem, que é feita de pedra de Ançã
(tipo de pedra calcária), fazia que não faltasse
leite ás mulheres que estivessem a amamentar. Devido
à crença neste milagre, a imagem apresenta actualmente
uma emenda em gesso no ponto onde as pessoas raspavam a pedra.
O Penedo do Medorro
Neste penedo costumavam ficar detidas águas pluviais
que as pessoas diziam ter capacidade de curar maleitas, como
cravos ou verrugas, àqueles que aí se banhassem.
O Anel de Santa Marta
Frei Teodoro de Melo conta que, quando as mulheres de Cárquere
estavam próximas de entrar em trabalho de parto, apelavam
ao anel de Santa Marta (uma das relíquias do aparecimento
do sino e da Senhora) e mandavam dar algumas badaladas no
sino da torre para que o parto fosse bem sucedido.
O Rego do Boi
Há várias versões para o aparecimento
deste rego de água que vem do ribeiro Taquinho.
O povo diz, numa primeira versão, que foram os mouros
que o fizeram numa noite e que nessa mesma noite comeram um
boi assado.
Outra explicação, porém, atribui aos
monges do mosteiro a construção deste rego,
por ordem de D. Afonso Henriques que de tão feliz pela
sua cura milagrosa, concedeu ao povo de Cárquere aquilo
que mais queria: a água.
A Lenda da Ponte de Carcavelos
D. Afonso Henriques pretendia passar por esta ponte, mas teve
que esperar, hospedando-se, entretanto, numa casa velha, que
ainda hoje existe. Conta-se que o rei, enquanto aí
permaneceu, moeu o seu próprio pão num moinho
situado próximo da casa.
As festas e Romarias fazem parte da cultura portuguesa e
encontram continuidade em todos aqueles que a querem preservar.
Em Cárquere realizam-se muitas manifestações
deste tipo, às quais acorrem muitos crentes, turistas
e curiosos:
Festa de Santa Maria de Cárquere
No próprio dia (4º domingo de Maio) há
uma missa, de manhã, na capela de Santa Luzia, seguida
de uma procissão em direcção ao Mosteiro
de Cárquere. Nesta procissão o Bispo de Lamego
é recebido ao som do hino nacional, seguindo-se uma
longa procissão com ladainha, das 15 freguesias do
Concelho de Resende. Depois tem lugar uma missa solene e o
Crisma do concelho.
Durante a tarde, realiza-se a procissão do Santíssimo
Sacramento e actuam as bandas filarmónicas de S. Cipriano.
Cramóis e Procissões de Ladainhas
Os cramóis são clamores cantados pelo povo em
procissão, com o objectivo de pedir protecção
para as colheitas e chuva para os períodos de seca.
Muitas destas procissões percorriam, dezenas de quilómetros,
em cumprimento de promessas.
Infelizmente, esta interessante tradição é
cada vez menos praticada pelos habitantes da região.
Via Sacra
A Via Sacra foi restaurada, depois de muitos anos no esquecimento.
Agora, celebra-se na Sexta-Feira Santa, à tarde. As
estações são marcadas por cruzes de granito
ao longo de todo o percurso, desde o Mosteiro até à
Capela de São Francisco.
Procissão do Corpo de Deus
Antigamente, celebrava-se na freguesia de Resende, no dia
do Corpo de Deus. Actualmente, ocorre em Cárquere,
na mesma data, em torno do carvalhal.
O Compasso
As casas desta freguesia são visitadas pelo Compasso
no Domingo e na segunda-feira de Páscoa.
Festas populares aos Santinhos
As festas populares aos santos das capelas continuam a ser
realizadas, em alguns domingos de Verão.
Festival Internacional de Folclore
Tem lugar no 3º domingo de Agosto e conta com um programa
recheado, em que o folclore nacional e estrangeiro esta em
destaque.
Tem lugar no 3º sábado de julho, é organizado
pelo Grupo de Danças e Cantares "Os Moleiros"
de Santa Maria de Cárquere e conta com um programa
cultural muito diversificado.
As festas e romarias, de aspecto marcadamente religioso,
vivem muito em torno da tradição musical.
A dança mais representativa desta zona é a Chula
Rabela, considerada a dança ex-libris do Douro. Dançava-se
em fila, era acompanhada pela Rabeca “chuleira”
e era cantada ao desafio por um homem e uma mulher. E composta
por três partes essenciais: parte cantada, voltas e
“chassé”, que se vão alternando.
Era a dança preferida de todos os bailes e era necessário
ter resistência e destreza física para a dançar.
Por ser uma dança muito demorada, apresentamos apenas
um extracto:
Homem:
Ó rapaz, ajunta, ajunta
Raparigas ó terreiro
Venham pequenas e grandes:
Toda (a) palha enche o palheiro.
Mulher:
Raparigas, cantai todas,
Ajudai-me siquer ua,
Que o cantar e ser alegre
Não é desonra ninhua.
Homem:
Rapariga, canta canta,
Que o seu cantar mi alegra.
Se não fosse o teu cantare,
Eu não vinha a esta festa
Mulher:
Rapazes e raparigas,
Vede lá por onde andais.
A honra é como o vidro:
Se quebra, não solda mais!
Homem:
Adeus, que me vou embora
Para a semana que bem
Quem não me conhece chora;
Que fará quem me quer bem.
Muitas das danças e cantares típicos de uma
região são executadas pelos ranchos folclóricos,
que envergam também os trajes típicos. No caso
de Cárquere, os trajes típicos retratam o seu
povo de finais do século XlX e princípios do
século XX: os noivos, o lavrador abastado, o traje
domingueiro, os trajes de festa, o proprietário, os
trabalhadores rurais, o podador, o vindimador do Douro, o
ceifeiro, o moleiro, o pegoreiro (pastor), o traje de Inverno,
os artesãos, a tecedeira e a cesteira.
Os trajes de trabalho, pobres e simples, contrastam com os
de festa, mais coloridos e vistosos, como os dos noivos e
o do lavrador abastado. |